Archive for novembro 2013

Um dia de Descobertas.


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Rodrigo, 16 anos.

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Ninguém me entende. Às vezes, nem eu me entendo. De verdade. Mas neste exato momento estou sozinho em meu quarto, onde quero ficar para sempre. Deve ser um sonho, um pesadelo, aliás. Queria não ter escutado aquilo no consultório do médico... Queria achar que ele está errado... Se não fosse o quinto médico que dá o mesmo diagnóstico para minha mãe. As paredes daquele hospital agora deverão ser familiares para mim. 

ELA. Esclerose Lateral Amiotrófica. É um nome difícil, mas é um nome. É a explicação para as quedas da minha mãe. A falta de coordenação... Eu não sei explicar o que é a doença dela, só sei o nome, e é tão difícil que eu resumi em outro nome de doença. Prisão corporal. Agora eu sinto medo do que pode acontecer com ela. Não quero que ela passe o resto da vida atrofiando, como os médicos dizem que vai acontecer... Vivendo dentro de um hospital. Não pode ser. 

Escuto a porta do meu quarto bater, mas são batidas tão leves, que penso serem de criança. Sento-me na cama e espero a porta se abrir. Ela revela a criança de cabelos loiros, e olhos grandes. Sorrio levemente, e a chamo para se aproximar. Minha priminha. No mínimo ela vai começar a contar sobre o dia na escola, vai me pedir pra brincar com ela... Algo assim. E é justamente o que ela faz, quando pula na minha cama e em cima de mim. Eu rio com a risada dela, e sinto minha dor diminuir aos poucos. Sarinha é a criança mais cheia de vida que eu conheço.


Guigo.

Quando a Conheci.


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Brent, 14 anos.

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Um dia em minha vida eu tive que escolher um caminho.
Neste dia eu me separaria de meus pais, que foram morar no Brasil.
Sim, eu sei, devia ter ido com eles, mas gostava à minha vida antiga.
Eu nunca gostei de grandes mudanças, aliás.
E decidi que os veria de vez em quando.

Todas as férias, de verão e de festas de fim de ano, eu ia ao Brasil.
E o resto do ano ficava em casa, U.S.A.
Daqui, vejo a neve colorindo o chão num tom limpo de branco.
De lá, vejo a grama verde e úmida fluir do chão com vida.

Mas lá eu descobri algo.

Conheci uma garota loira que ri de tudo.
Minha prima, pelo lado do meu pai.
Seu nome é Sara, e eu me senti atraído a ser seu amigo.
Minha vontade é de proteger a menina.
Acho que é algo que se divide entre familiares, certo?
Não sou muito bom em interações sociais, afinal.
Já faz tempo que a vi pela primeira vez.
Mas meu afeto por ela só cresce, construído pelo sorriso espontâneo.
Pelas brincadeiras que compartilhamos.
Pelos jogos que jogamos.
Sinto que tenho um novo motivo para ir ao Brasil todas as férias.


B. Carter.

Um último Adeus.


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Matheus, 13 anos.

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Então ela partiu também. Minha mãe fechou os olhos pela última vez, e eu não tenho pai. Estou, finalmente e oficialmente, sozinho. Fui expulso do Trailer, mas não queria mesmo ficar ali com meu padrasto. Prometi a mim mesmo que ainda o mataria, e vou.

Um dia.

Eu posso até estar na merda, mas não vou acabar assim. Vou descobrir o mundo, vou conhecer tudo, todos. Eu quero explorar, habitar, quero viver. Quero jogar. E para que isso comece, eu preciso de mais coragem. Essa é a hora, e lá vou eu. O Brasil é um país muito grande para que eu morra na rua, no meio das bocas de fumo. Agora é hora de começar minha vida, e me libertar dessa merda na qual eu estava enfiado até o pescoço.

Matt.

O dia em que Tudo mudou.


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Sara, 12 anos.


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Sabe aqueles dias que você acorda e sabe que algo muito especial vai mudar sua vida para sempre? É, querido amigo diário, hoje foi um desses dias. Certo, vou fazer primeiro um resumo, depois eu te conto O acontecimento. Vamos ver por onde eu começo... Ah sim, pelo começo. rsrs. Logo no café da manhã aquele pirralho do João deixou um sapo na porta do meu quarto achando que eu ia ter medo. Coitado, encontrou o bichinho dentro do copo de leite dele. Ha ha. Bem feito. Só quem não gostou da vingança foi minha mãe, que me obrigou de novo a ver o treino de vôlei. Ela quer porque quer que eu jogue com Patrícia e companhia.

Eu não vou, nem mortinha da Silva.

Enfim, quando cheguei à escola, Lúcia me falou que teríamos teste surpresa de ciências. Eu não tinha estudado nada, mas fui com a cara e a coragem, e espero ter tirado uma boa nota. Depois fomos lanchar, e a fila da cantina estava enorme. E por isso eu achei que minha sorte hoje estava naqueles dias de depressão, estilo tarde de domingo. Só que não. Quando meu pai foi me buscar na escola, depois do meio dia, me avisou que iríamos almoçar na casa de Tio Carlos. Eu não queria, queria ir pra casa, onde estaria segura da minha má sorte, mas ele insistiu, e disse que eu poderia ficar com Brent, porque ele havia acabado de chegar dos Estados Unidos.

Quando ele mencionou isso, eu me senti melhor. Brent era mal encarado, mas sempre jogava video game comigo, e colocava filmes de terror pra gente ver. A tarde não seria tão chata. Poderíamos jogar cartas, ou qualquer coisa. Mas quando chegamos à casa de tio Carlos, Diário, preciso te dizer, ACONTECEU UMA COISA INCRÍVEL.

Quando desci do carro, vi meu primo mais velho, que constantemente me chama de pirralha, de priminha, e que puxa meu cabelo. Ele costuma me irritar, e fica me provocando, cutucando, e arrota perto de mim porque sabe que eu fico maluca. Ele ri quando eu começo a brigar, mas no final ele sempre me trata como se fosse meu pai. Mas hoje, Diário, HOJE, ele estava conversando com um amigo do lado de fora de casa, jogando uma bola na parede e pegando-a. Acho que era bola de basquete.

Ele riu, e parou de jogar a bola quando nós entramos pelo portão da casa dele. Levantou-se e foi falar com meu pai. O jeito como ele sorria, e como falava, e seus gestos, de repente, me deixaram estranha. Eu não consegui me comportar como fazia sempre, não conseguia me mexer, e sorria boba o tempo inteiro. Me perguntei o que estava acontecendo comigo, e fiquei nervosa quando ele olhou pra mim. Fiquei vermelha, eu tenho certeza.

AI QUE MICO.

Ele bagunçou meu cabelo e meu coração quase saiu pela boca, fez uma piadinha e me chamou de priminha, e eu quase derreti completamente, ao invés de ignorá-lo, como sempre fazia. Até que ele me olhou estranho e disse:

"-Tá doente, Sarinha?"

Eu fiz que não com a cabeça e saí quase correndo atrás do Brent. Diário, até o Brent percebeu que eu estava estranha, e me perguntou alguma coisa, que eu não entendi direito... O português dele é tão enrolado que a gente tem que se comunicar por mímica. Às vezes eu fico olhando pra ele pra saber o que ele está tentando me dizer. É mais fácil que falar com ele. Haha, ele até me ensinou palavrões em inglês. Ele fica dizendo quando estamos jogando e eu ganho pra ele. Eu sempre ganho... Hum... Isso é estranho, porque tenho a impressão de que ele joga melhor que eu, mas no fim eu me dou melhor. Depois vou perguntar pra ele porque ele amarela sempre.

Enfim, Diário, depois da tarde inteira fugindo do Rodrigo, meu primo mais velho, ele conseguiu me pegar. Entrou no quarto de Brent e me carregou nos braços até o andar de baixo da casa dele. Eu ria e me contorcia, tentando me soltar, mas aquela sensação estranha ainda rondava, e só quando ele me colocou no chão e eu olhei pra cima, foi que entendi. Igual aquelas meninas das novelas, eu estava APAIXONADA.

Não sei se fico feliz ou triste, Diário. Ele é tão mais velho que eu que eu nem imagino que um dia consiga dizer o que sinto. Que droga, queria ter a idade do Brent, então já teria 16 anos e seria mais fácil.

Mas, um dia... Um dia eu terei 16, ou melhor, 17. E quando esse dia chegar, eu vou dizer a ele.

Sara.